Levantei-me com dificuldade. Depois de finalmente tirarem aquela agulha enorme do meu antebraço, decidi tentar ir ao banheiro. Teria que carregar a sonda, além daquela presa em meu nariz, que era pequena, mas incomodava na hora de respirar.

            Fui até o banheiro, acompanhada de uma enfermeira, pois não me deixavam ir sozinha e, pela primeira vez desde que tinha saído de casa, olhei-me no espelho.

            Olheiras profundas, lábios secos e craquelados, cabelo uma massaroca indefinida na parte de trás da minha cabeça e os roxos... um enorme no anterior do meu antebraço, de onde tiraram a agulha maior; um na minha mão, onde fizeram o primeiro acesso; pequenos nos meus dedos, frutos de verificações de insulina; e vários espalhados pelas minhas coxas, onde tinham me furado repetidas vezes na noite anterior.

            Corpo fraco, pálido, amarelado... o problema é que eu estava me achando linda.

            Era isso que eu queria, não era? Destruir-me. Por isso tinha ido parar no hospital. Por isso estava com a sonda no nariz, por onde entrou o carvão ativado que desceu até o estômago. Por isso tinha marcas pelo meu corpo todo, e eu apreciava cada uma delas.

            A cada violação ao meu corpo, ele fazia questão de não esquecer, colorindo-se de roxo e amarelo, para permanecer lembrando-me que eu era fraca, e era abusando da minha dor que chegaria a ser nada. Uma parte dentro de mim aprovava isso, pensando na estética naturalista: do feio, do doloroso, do traumático. Nunca gostei deste tipo de imagem, mas em mim... era diferente. Ver o sofrimento alheio? Jamais! Provocar sofrimento em mim mesma? Por favor.

            Foram dias lá dentro, vendo meu reflexo triste, nunca esquecendo daquele pedacinho em mim que me chamava de “linda”, que reforçava que eu deveria continuar assim.

            Mamãe me perdoou, meus irmãos cuidaram de mim, meu pai esteve por perto.

            A fisioterapeuta me levou caminhar, as enfermeiras fizeram exames e me trouxeram comida, as psicólogas me avaliaram.

            Fui para casa e, a cada vez que passava pomada nos hematomas que tentava esconder dos outros, para não ter de responder a perguntas de ninguém, sentia-me mal, não querendo despedir-me deles. Aquelas marcas, do que eu mesma fiz, queria elas comigo, me lembrando do que fui capaz.

            Hoje, meses depois, me olho no espelho e sinto prazer ao ver-me saudável, bela, forte e cheia de vivacidade.

            Foi uma longa jornada até aprender a amar este reflexo, mas ainda não sou capaz de desprezar o outro. A vozinha sempre me chama e me convida e ficar “linda” mais uma vez.   

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